Como funcionava a crucificação? Descoberta britânica revela novas evidências

Como funcionava de fato a crucificação

À medida que inúmeras pessoas se preparam para celebrar a Páscoa, manifestando sua crença na ressurreição de Jesus, o dia mais sagrado do calendário cristão, elas também se conectarão com o símbolo de sua morte.

A cruz há muito tempo representa o símbolo definidor do cristianismo e da vitória sobre a morte. Contudo, a natureza da crucificação, considerada uma das formas mais aterrorizantes de punição capital no mundo antigo, tem sido um enigma para arqueólogos e historiadores devido à escassez de evidências deixadas por esse método.

Antigos historiadores romanos, os Evangelhos e a literatura clássica registram o uso da crucificação pelos romanos, porém somente quatro possíveis casos de crucificação foram identificados em todo o mundo. A mais recente descoberta foi bastante surpreendente: o esqueleto de um homem com um prego atravessando seu calcanhar, encontrado durante um projeto de desenvolvimento habitacional em Cambridgeshire, Inglaterra, em 2017.

A descoberta marcou o primeiro indício arqueológico conhecido de crucificação nas Ilhas Britânicas, de acordo com David Ingham, gerente do projeto Albion Archaeology, e Corinne Duhig, uma professora da Universidade de Cambridge, que detalharam suas descobertas na revista British Archaeology.

John Granger Cook, professor de religião no LaGrange College e autor do livro “Crucifixion in the Mediterranean World”, comentou: “Isso sugere que a crucificação era uma prática disseminada por todo o Império Romano. A única outra evidência arqueológica – se podemos considerá-la como tal – é o graffiti”.

Ingham e Duhig constataram que os restos mortais eram quase idênticos aos encontrados há meio século, próximo ao Monte das Oliveiras, em Jerusalém, em 1968. Em ambos os casos, o prego foi descoberto ainda inserido no calcâneo, o maior osso do pé que forma o calcanhar. As descobertas contradizem a maneira como os escritos religiosos e a iconografia têm retratado a prática ao longo do tempo e fornecem novas evidências de como ela aparentemente funcionava – desde como as vítimas eram pregadas à cruz até a forma como eventualmente morriam.

De acordo com Cook, os romanos aparentemente adotaram a prática da crucificação dos cartagineses, que por sua vez podem ter se inspirado em punições brutais usadas anteriormente pelos assírios e outros povos do Oriente Médio. Josephus, o antigo historiador judeu, registrou que durante as revoltas judaicas no primeiro século d.C., as tropas romanas chegaram a crucificar até 500 judeus por dia.

O propósito da crucificação era prolongar a agonia e o sofrimento do indivíduo, tornando-se assim o método de execução mais temido e vergonhoso, reservado somente para criminosos, escravos e aqueles acusados de traição. Os condenados eram espancados e desfilavam pelas ruas até o local da execução, como descrito nos Evangelhos com relação a Jesus, enquanto multidões zombavam e os insultavam. As vítimas eram então fixadas na trave horizontal e levantadas na viga vertical, geralmente localizada em um lugar fixo para execuções futuras.

Cook afirmou: “Quando se trata do Jesus histórico, [sua crucificação] é o único fato que ninguém questiona, porque é extremamente embaraçoso. Então, temos certeza disso. Sabemos que Ele viveu e foi condenado à morte”.

O falecimento ocorria em poucos dias, mas às vezes era apressado ao golpear a vítima no peito com um cajado, empalá-la ou quebrar suas pernas, impedindo que se erguessem para respirar. Em certos casos, a cruz ficava próxima ao chão, ao alcance de cães e outros animais, e inscrições antigas sugerem que frequentemente possuía uma forma semelhante a uma letra T maiúscula. Para prolongar a agonia, em algumas ocasiões, um pequeno assento conhecido como sedecula era acrescentado.

De que forma exatamente Jesus morreu? Alguns estudos acadêmicos, realizados por patologistas forenses, sugeriram que Ele faleceu relativamente rápido devido a uma embolia pulmonar, parada cardíaca ou choque causado pela perda de sangue, embora a maioria dos especialistas concorde que a asfixia seja a causa mais provável, ocorrendo quando os pulmões colapsam sob o peso do corpo suspenso da vítima.

A descoberta em Jerusalém, representando os restos mortais da primeira vítima de crucificação encontrados na era moderna, contribuiu para preencher as lacunas nessa questão.

A descoberta foi uma feliz coincidência. Os romanos geralmente utilizavam cordas para amarrar as pessoas na cruz, pois os pregos eram tão preciosos que acredita-se que os romanos os removiam para reutilização. No entanto, em 1968, arqueólogos que examinavam cavernas funerárias em um canteiro de obras em Jerusalém Oriental, depararam-se com um ossuário de pedra que trazia o nome “Yehohanan ben Hagqol” e continha os restos mortais de um homem, com idade estimada entre 24 e 28 anos, cujo calcanhar tinha um prego enferrujado cravado.

Essa posição chamou imediatamente a atenção. A iconografia da crucificação de Jesus geralmente o mostra com os pulsos ou mãos pregados na cruz – algo que os estudiosos afirmam ser improvável para suportar seu peso – ou com um único prego atravessando o topo de ambos os pés.

Nicu Haas, um professor do departamento de antropologia da Universidade Hebraica, examinou os restos mortais em Jerusalém de forma apressada, devido às restrições das autoridades religiosas em relação à reenterração dos restos. Em um artigo publicado em 1970, Haas relatou ter encontrado dois ossos do calcanhar unidos pelo prego. Antes de inserir o prego, uma placa de madeira foi colocada sobre o pé para garantir que a vítima não pudesse liberar a perna. Haas teorizou, assim, que a vítima foi imobilizada pelos dois calcanhares na frente da viga vertical, com as pernas abertas como um sapo ou com os joelhos dobrados e virados para um dos lados.

Outros dois estudiosos – Joseph Zias, curador do Departamento de Antiguidades e Museus de Israel, e Eliezer Sekeles, professor da Universidade Hebraica e da Escola de Medicina Hadassah em Jerusalém – fizeram uma reavaliação da crucificação uma década mais tarde. Eles afirmaram que Haas cometeu erros importantes: havia apenas um osso do calcanhar do pé direito, não dois ossos fundidos pelo prego e pelo tempo; a perna não aparentava ter sido quebrada antes da morte; e o prego, com aproximadamente 4,5 polegadas, era mais curto do que Haas acreditava e não poderia atravessar dois ossos do calcanhar e a placa de madeira.

Considerando as informações de Zias e Sekeles, eles propuseram uma teoria diferente sobre o método de crucificação, sugerindo que cada pé poderia ter sido pregado separadamente ao lado da viga vertical. Essa teoria também se alinha com um antigo grafito encontrado em Puteoli, na Itália, que retrata uma pessoa crucificada, com o nome “Alkimila” acima de um ombro.

A descoberta mais recente na Grã-Bretanha oferece novas informações sobre essa prática. Os restos mortais, identificados como Esqueleto 4926, foram sepultados de bruços, com as mãos cruzadas na frente, em um cemitério de um antigo assentamento ao longo da estrada, na antiga província romana que hoje é Fenstanton, Cambridgeshire. Doze pregos foram encontrados próximos ao esqueleto, e um 13º prego foi descoberto no osso do calcanhar durante análises laboratoriais.

O esqueleto, quase completo, datava de aproximadamente 130 a 360 d.C. Segundo Duhig e Ingham, a coluna vertebral e as costelas haviam sido esmagadas, e os braços e pernas também mostravam sinais de danos causados por amarrações ou grilhões. Os arqueólogos britânicos explicaram que o prego foi cravado na parte externa do osso do calcanhar direito, onde havia uma marca de martelo ou outra ferramenta de perfuração que errou o alvo – um indício de como o sofrimento podia ser infligido de forma quase despreocupada.

Cook, cujo pai era um ministro presbiteriano, compartilha que os detalhes e a realidade da crucificação o afetam profundamente quando ele reflete sobre a morte de Jesus nesta época do ano.

“Eu pondero muito sobre a natureza do sofrimento humano e sobre o que o Estado pode infligir a um ser humano. A dor da crucificação é, sem dúvida, uma das experiências mais profundas que um ser humano pode vivenciar”, afirmou ele. “E, sinceramente, às vezes é simplesmente demais para suportar.”

E há ainda o estranho mistério da cruz em si – uma punição tão horripilante quanto qualquer outra inventada, mas que agora é consagrada como o símbolo de renovação espiritual.

“É uma das ironias da história”, concluiu Cook.

Com conteúdo do The Washington Post.

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